Hoje, dia muito frio, nostálgica,
Resolvi revirar minha gaveta de guardados,
A gaveta das recordações.
Cada objeto tocado
Reflete de imediato uma imagem.
Um caderninho...
Nada escrito,
Mas entre as páginas em branco,
Pétalas secas,
Flores recebidas em dia especial...
Desvio o olhar,
No cantinho, dobradinha,
Uma folha de papel amarelada...
Que será? Não me lembro.
Abro-a com cuidado.
Coração bate mais forte...
Emoção...
A primeira carta de amor que recebi.
Quantos anos eu tinha?
Quatorze? Quinze?
Diz das noites insones
Que ele passava pensando em mim,
Do brilho dos meus olhos negros
(são negros os meus olhos?),
Dos meus lábios “carnudos”
(ainda enrubesço ao ler essa palavra),
Do meu andar “gingado”,
Do meu perfume adocicado
(que perfume eu usava?),
Da vida que eu exalava,
Da mudez que o assolava,
Quando estava perto de mim,
Do calafrio que percorria seu corpo,
Quando dançava comigo
(aprendemos a dançar um com o outro)...
Leio-a e releio-a.
Depois de tantos anos,
As letras bailam embaçadas,
Como na primeira vez em que a li.
Desisto de continuar.
Guardo a carta no mesmo lugar,
Do mesmo jeito.
Fecho a gaveta.
Olho para o céu ,
No azul brilhante,
Um rosto desbotado pelo tempo.
Mardilê Friedrich Fabre
Imagem: Google