sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Dois Minicontos



Décimo Andar

De novo o mesmo pesadelo. Perseguido, atirava-se de uma janela do 10º andar. O som das sirenes, embora longe, o incomodavam. A cabeça lhe doía. Tomou um comprimido para dor. Debaixo do chuveiro, lembrou-se. Chegara tarde e ... acompanhado! Correu para a janela. Aberta. Na calçada, amontoavam-se algumas pessoas. Perturbou-se. Morava no 1011.





Numa manhã de primavera...

Levantou determinado naquela manhã de primavera. Nada o deteria. Como um autômato, tomou o café de sempre, pegou o ônibus de sempre, sentou no lugar de sempre, mas não desceu na parada de sempre. No fim da linha, o motorista de sempre deparou-se assustado com um corpo inerte.



Mardilê Friedrich Fabre

Imagem: Google

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Poeta

Liberta-te, Poeta.

Canta, Poeta,
Em primorosa
Melodia, amor
Contido em peito ardente.
Desabafa, Poeta,
Sonho recluso
tempo.

Poeta
Pelas frinchas da fantasia
Permite o dom num toque mágico
Plantar a semente que alforria
Poemas do caráter trágico.
Para transformar em alegoria
Palavras desconexas na mente perplexa
Procura asas enfeitiçadas de ousadia.



Existe doce harmonia
Entre o poeta que cria
E a noite que vai vazia.





Poeta
Iluminado...
Do passado ao presente
Percorre trilhas de coração
Amante.



Poeta cria
Palavras grávidas de emoção
Escorrem da mente do poeta.

Ele, porém, não as aprisiona,

Liberta-as como nascem, diáfanas,
Para pousarem em alma lírica.




Mardilê Friedrich Fabre

Imagens: Google
 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Sim, tenho sonhos


Quando descobri meus sonhos,
Enlacei-os forte,
Afinal, eles faziam-se acompanhar da poesia.
Acariciei-os lentamente,
Porque os desejara tanto!
Cantei-lhes acalantos,
Assolava-me um medo infantil
De que se assustassem e fugissem...
Embalei-os com as notas suaves das sonatas de Chopin,
Alimentei-os com imagens e cores.
Queria-os vibrantes, perfeitos
Como os amores que nascem na primavera
E vivem na eternidade das certezas.
Meus sonhos...
Às vezes, perdia algum pelo caminho.
Sem medir esforços, porém,
Voltava para pegá-lo
E colocava-o no meu colo,
Sussurrando-lhe palavras meigas e delicadas,
Que tinham um misto de apreensão e alegria.
Eu não permitia que desaparecesse,
E ele continuava comigo.
Aconchegado em meu peito.
De vez quando, olhava-me de viés,
Como a suplicar que não o abandonasse à sua sorte.
E eu, num tremendo esforço,
Tentava lembrar-me
Por que me escapara logo este sonho...
Qual fora o meu descuido?
E o meu pensamento se voltava para os outros
Que ainda estavam comigo.
Precisava assisti-los,
Para que não se perdessem
E se esquecessem de acontecer.
Mas...
Por mais que eu me desvelasse,
Por mais que os alcançasse em seu refúgio,
Por mais que os tratasse com esperança,
Um dia...
Um deles escorreu-me pelas mãos
E espatifou-se nos ladrilhos do tempo,
E a saudade, ligeira, dele apoderou-se
E levou-o com ela.
Foi um milésimo de minuto...
E eu? Ali, parada, aturdida...
Agora havia uma ausência
E seria impossível preenchê-la.

Mardilê Friedrich Fabre

Imagem: Google

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Eu invisível







Olho para dentro de mim.
Não consigo interpretar
As dimensões do meu confim.
Vasculho-me p´ra decifrar

Os recantos desconhecidos
Que guardam meus tolos segredos.
Encontro delírios retidos
Da incoerência dos meus enredos.

Percorro as minhas extensões.
A imaginação enfloresce.
Dissipo temores vilões
Que meu coração recrudesce.

Embrenho-me ainda mais fundo.
Traço uma louca trajetória
Neste invisível minimundo.
Caio em opção contraditória.

Sigo este caminho do nada,
É passagem ao surreal.
Não me importa ser arrastada.
Penso em tempo adimensional.


Mardilê Friedrich Fabre