sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Singular motorista



Todos os dias pego o ônibus no mesmo horário para ir ao trabalho. Faz um ano mais ou menos que o motorista é o Paulo. Sei seu nome, porque minha parada é a primeira do percurso, e o ônibus vem vazio e sento no primeiro banco. Algumas pessoas conhecidas de Paulo também tomam este ônibus e chamam-no, ao cumprimentá-lo.

Nunca vi um motorista tão gentil, principalmente com velhos e crianças, sorriso nos lábios, calmo, espera que subam e desçam seus passageiros. Conhece-os. Nunca deixa um cumprimento sem resposta. De alguns, como eu, até sabe a profissão. Seguido me deseja: “Bom dia de trabalho, professora.”

Já o ouvi várias vezes conversar com alguns conhecidos e notei que ele revela um pensamento crítico sobre acontecimentos políticos e econômicos que demonstram uma pessoa que lê análise sobre esses assuntos.

Há um menininho que a mãe leva para a APAE, que pega este mesmo ônibus. Ele não senta, fica paradinho ao lado do motorista, segurando-se numa barra que há ali. Um dia, ele olhou bem para Paulo e perguntou:

- Pa onde fuziu teu cabelo?

O pessoal riu da pergunta, e eu pensei: “Como se sairá Paulo?”

E o motorista respondeu com toda a serenidade:

- Sabe, José, os fios se escondem no ralo do banheiro.
- É!?

- Cada vez que eu tomo banho e lavo a cabeça, muitos deles fogem para lá.

-Pu quê?

- Porque eles acham mais seguro ficar no ralo do banheiro do que na minha cabeça.

 - Hãããã! Então não desa mais eles fugi, faz cainho neles, assim ó.
E passava a mãozinha na cabeça, mostrando como Paulo precisava agir para os cabelos não fugirem.

Paulo sorriu:
- Vou seguir o teu conselho. Olha, é a tua parada. Tchau!

- Tchau.


Sempre tem uma palavra amiga. Não deixa ninguém sem resposta. Ele é diferente dos outros motoristas. Com ele, a viagem, além de segura, não é monótona.

Mardilê Friedrich Fabre
Imagem: Google

2 comentários:

Anônimo disse...

Querida amiga da arte da palavra escrita, MARDILÊ FABRE:
Eu venho da poesia e isso não me impediu de escrever vários romances. Os que veem da poesia, devido à constante lida com o som da palavra, terminam fazendo uma espécie de prosa poética, o que não é impedimento algum para contar ou narrar uma história. Li o seu conto (SINGULAR MOTORISTA), que tem muita qualidade. Parabéns, e siga em frente!
Abraços, Carlos Lúcio Gontijo.
www.carlosluciogontijo.jor.br

Jorge Sader Filho disse...

Não é novidade para mim a excelente prosa de Mardilê. Devo agradecer um trabalho que fez sobre meu livro Casarão, publicado no Recanto das Letras.
Os poetas experimentados, como é seu caso, são excelentes na prosa.
Grande abraço.